quarta-feira, 7 de abril de 2010

A volta da primavera

Ai! NÃO MALDIGAS minha fonte pálida,
E o peito gasto ao referver de amores.
Vegetam louros - na caveira esquálida
E a sepultura se reveste em flores.
Bem sei que um dia o vendaval da sorte
Do mar lançou-me na gelada areia.
Serei... que importa? o D. Juan da morte
Dá-me o teu seio - e tu serás Haidéia!
Pousa esta mão - nos meus cabelos úmidos!...
Ensina a brisa ondulações suaves!
Dai-me abrigo no teu seio túmido!
Fala!... que eu ouço o pipilar das aves!
Já viste as vezes, quando o sol de maio
Inunda o vala, o matagal e a veiga?
Murmura a relva: "Que suave raio!"
Responde o ramo: "Como a luz é meiga!"
E, ao doce influxo do clarão do dia,
O junco exausto, que cedera à enchente,
Levanta a fronte da lagoa fria...
Mergulha a fronte da lagoa ardente...
Se a natureza apaixonada acorda
Ao quente afago da celeste amante,
Diz!... Quando em fogo teu olhar transborda,
Não vês minh'alma reviver ovante?
É que teu riso me penetra n'alma -
Como a harmonia de uma orquestra santa -
É que teu riso tanta dor acalma...
Tanta descrença!... Tanta angústia!... Tanta!
Que eu digo ao ver tua celeste fonte:
"O céu consola toda dor que existe.
Deus ferve a neve - para o negro monte!
Deus fez a virgem - para o bardo triste!"
Espumas Flutuantes - Castro Alves

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